O Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou hoje que vai partir no domingo para uma visita de Estado a Angola, devendo fazer escalas em Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, para “estreitar a fraternidade entre Estados”. Entre Estados está bem, já que os Povos são uma “coisa” menor.
Durante uma visita ao Salão Internacional do Sector Alimentar e Bebidas (SISAB), em Lisboa, em que foi constantemente solicitado para tirar fotos com portugueses e estrangeiros, sobretudo chineses, o Presidente da República comentou que vai fazer escala em Cabo Verde, no Domingo, e depois em São Tomé e Príncipe, a caminho de Angola.
Mais tarde, foi questionado pela comunicação social sobre a sua deslocação a Angola, onde deverá chegar na terça-feira, dia 5 de Março, para uma visita de Estado que decorrerá entre os dias 6 e 9, e respondeu que leva “o mesmo espírito desta feira” de produtos agro-alimentares, “o espírito de diálogo, no quadro dos países irmãos, dos povos irmãos que falam português”.
“Eu parto no fim-de-semana e estarei na semana que vem em Angola com o mesmo espírito, que é estreitar a fraternidade entre povos, estreitar a fraternidade entre pátrias, estreitar a fraternidade entre Estados. E, se os Estados souberem acompanhar aquilo que os povos sentem, não tenho dúvidas de que será um grande momento”, acrescentou Marcelo Rebelo de Sousa.
O mote agora é, para o chefe de Estado português, “servir as aspirações populares”, que são “muito concretas” e lançam o desafio de “ir mais longe no domínio das relações educativas, culturais, sociais, científicas e tecnológicas, mas também económicas e financeiras”.
“O nosso protagonismo conjunto pode ser muito importante”, acentua Marcelo, recordando que “Angola tem um verdadeiro espaço vital de afirmação como potência regional e uma influência muito grande, quer no continente africano, quer na comunidade de países que falam português”.
“Nenhum de nós tem a tentação de querer ser monopolista ou estar excessivamente presente na vida do outro, mas sabemos que estamos condenados a encontrarmos, no bom sentido do termo, nesta cena mundial com um protagonismo muito importante”, sustentou.
Com Angola, acrescentou, quando se olha para trás, “há sempre mais realidades positivas do que negativas” e há mais angolanos em Portugal e portugueses em Angola e mais empresas a investir nos dois lados.
Marcelo Rebelo de Sousa alerta, contudo, que “a grande riqueza” da relação luso-angolana “não pode ser cingida, embora seja muito importante, ao relacionamento e à cumplicidade pessoal entre os que estão no topo do poder político” e “deve atravessar todo o tecido social”.
“Porque aquilo que há de melhor entre nós é resultado do cruzamento natural dos povos. Dão-se bem! Dão-se bem, naturalmente! Agora, podem ainda dar-se melhor se pudermos ir mais longe em termos de colaboração entre os povos”, concluiu.
Marcelo Rebelo de Sousa, só há pouco tempo soube que, em Angola, é tratado por “Ti Celito”, mas ficou sensibilizado quando o homólogo João Lourenço lhe contou a “expressão carinhosa” dos angolanos para lhe manifestar afecto.
“Noutro dia o senhor Presidente João Lourenço disse-me baixinho (estávamos na cimeira do Sal): sabe como é que é chamado cá? Não, não sei! Ti Celito! Ai é? É! Quando lá foi, criou-se uma expressão carinhosa, no sentido de as pessoas gostarem de si…”, contou o chefe de Estado português, na entrevista à RNA.
Conhecido em Portugal como “o Presidente dos afectos”, Marcelo Rebelo Sousa ficou “sensibilizado” com a forma carinhosa como os angolanos olham para si, desde que em Setembro de 2017 se deslocou a Luanda para a cerimónia de tomada de posse do homólogo João Lourenço.
“Eu fiquei muito sensibilizado. Não sabia. Uma coisa é certa: é que eu tenho família em Angola, primos já afastados. Há uma ligação muito antiga através de muitos alunos angolanos que sempre tive. Das várias vezes que estive em Angola, nomeadamente para ensinar, guardei as melhores das recordações, ensinei alunos, estive em júris de provas muito variadas, tive contactos populares muito diversificados”, lembrou.
Marcelo Rebelo de Sousa aproveita sempre que pode (baste ter um microfone por perto) para recordar o afecto sentido na visita que fez a Luanda por ocasião da posse de João Lourenço como Presidente da República.
“As pessoas menos atentas não viram a forma tão calorosa como eu fui recebido, quer nas ruas, quer nas praias, quer na própria cerimónia da posse”, argumentou, fazendo depois a ponte para as relações entre povos ‘irmãos’ para concluir que não há mais afecto quando as pessoas estão todos os dias juntas.
“As relações afectivas mais fortes são aquelas em que as pessoas estão nelas com total despojamento. Eu acho que estamos nessa fase em relação a Angola e Portugal”, acentua, lembrando que está, às vezes, “muito tempo sem ver os irmãos, os filhos e os netos”.
“Quer isto dizer que eu sou menos próximo? Não, a vida é assim! Hoje, faz parte da lógica das coisas não sermos possessivos”, sustentou, considerando “naturalíssimo” que Portugal ou Angola tenha relações com vários parceiros, sem que isso cause “ciúmes” entre ambos.
Para o Presidente da República português, “é essencial” olhar para o futuro “com disponibilidade” e “desprendimento”.
“Agora, podemos obviamente, neste novo ciclo, dar passos para que essa natural cumplicidade, essa natural identificação de muitos propósitos, se converta em mais activos, em mais dinâmica, em mais social, em mais comunitária, em mais participada. Podemos e devemos fazer isso, mas sem ciúmes”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa numa entrevista à Rádio Nacional de Angola.
O mais bem preparado
Como se sabe e como, aliás, já aqui foi escrito, Marcelo Rebelo de Sousa é o político português mais habilitado (a par do primeiro-ministro António Costa) para não só cimentar como também alargar as relações com o regime do MPLA. É assim com João Lourenço no Poder, teria sido a mesma coisa se lá continuasse José Eduardo dos Santos. Marcelo sabe que – do ponto de vista oficial – Angola (ainda) é o MPLA, e que o MPLA (ainda) é Angola. E certamente tem orgulho que assim seja. Tem ele como tem o PSD, o PS, o PCP, o CDS e muito em breve o próprio Bloco de Esquerda.
Angola é um dos países lusófonos com uma das maiores taxas de mortalidade infantil e materna e de gravidez na adolescência, segundo as Nações Unidas, tal como é um dos países mais corruptos do mundo. Mas o que é que isso importa a Marcelo Rebelo de Sousa?
Aliás, muitos dos angolanos (70% da população vive na miséria) que raramente sabem o que é uma refeição, poderão certamente alimentar-se com o beija-mão de Marcelo Rebelo de Sousa a João Lourenço.
Os pobres em Angola (20 milhões) estão todos os dias a aumentar e a diminuir. Aumentam porque o desemprego aumenta, diminuem porque vão morrendo. Mas a verdade é que esses angolanos não contam para Marcelo Rebelo de Sousa, tal como não contam para António Costa, tal como não contaram para Passos Coelho ou José Sócrates, tal como não contarão para Rui Rio e Assunção Cristas.
Marcelo Rebelo de Sousa sabe que o anterior presidente angolano esteve no poder durante 38 anos sem ter sido nominalmente eleito, tal como sabe que o actual lá quer ficar também muitos e muitos anos, continuando a não ser nominalmente eleito. Mas isso pouco ou nada importa… pelo menos por enquanto.
Será que alguém vai perguntar a Marcelo Rebelo de Sousa o que pensa dessa farsa a que se chama democracia e Estado de Direito em Angola? Não. Basta ver que, mesmo antes de ser declarado vencedor das “eleições” do dia 23 de Agosto de 2017, já João Lourenço era felicitado pelo Presidente da República de Portugal.
Folha 8 com Lusa